quarta-feira, 28 de setembro de 2011


APROVAÇÃO EM CONCURSO PÚBLICO GERA DIREITO LÍQUIDO E CERTO A NOMEAÇÃO

Alessandra Mara de Freitas Silva
Advogada Associada do Escritório Ananias Junqueira Ferraz (www.ajfadvogados.com.br)
Mestre em Direito Público
MBA em Gestão Empresarial – Fundação Getúlio Vargas.

Durante muitos anos, a jurisprudência reiterada dos Tribunais enunciava que se o candidato fosse aprovado em um concurso público ele teria apenas expectativa de direito em ser nomeado. Pode-se dizer que candidato aprovado é aquele classificado dentro do número de vagas previsto no edital. Assim, se um edital publicasse a previsão de cem vagas e o candidato fosse aprovado em primeiro lugar, ele teria apenas expectativa de direito à nomeação.
Isso gerava uma frustração muito grande nos candidatos. Anos de preparação, investimento de tempo e dinheiro em cursos preparatórios para conseguir ser aprovado e depois simplesmente a Administração não nomeava e muitas vezes sem qualquer motivação. Ademais, se a Administração Pública divulgava que existiam cem vagas para um cargo, ela demonstrava que havia necessidade das mesmas e esse não cumprimento do previsto era, no mínimo, contrário aos paradigmas de um Estado Democrático de Direito.
Em algumas determinações, o Supremo Tribunal Federal foi atenuando tal entendimento expressando que “o anúncio de vagas no edital de concurso gera o direito subjetivo dos candidatos classificados à passagem da fase subseqüente, e, ao final, dos aprovados, à nomeação. (RMS 24119).
Em fevereiro de 2008 o Superior Tribunal Justiça (STJ) entendeu que o candidato aprovado em concurso público dentro do número de vagas previstas em edital possui direito líquido e certo à nomeação. A decisão, que mudou o entendimento jurídico sobre o tema, foi da Sexta Turma do STJ. Por maioria, os ministros decidiram que o instrumento convocatório (edital), uma vez veiculado, constitui-se em ato discricionário da Administração Pública, ensejando, em contrapartida, direito subjetivo à nomeação e à posse para os candidatos aprovados e classificados dentro do número de vagas previstas no edital.
Para firmar essa posição, os ministros analisaram um recurso em mandado de segurança do estado de São Paulo. Ainda dentro do prazo de validade do concurso, uma candidata aprovada no processo seletivo para o cargo de oficial de Justiça da 1ª Circunscrição Judiciária (Comarca de Santos/SP) ingressou com o referido recurso para assegurar sua nomeação. O edital previa 98 vagas e ela havia sido aprovada em 65º lugar.
No Superior Tribunal de Justiça, a decisão mais recente sobre o tema consta do informativo 622 do órgão: Por reputar haver direito subjetivo à nomeação, a 1ª Turma proveu recurso extraordinário para conceder a segurança impetrada pelos recorrentes, determinando ao Tribunal Regional Eleitoral catarinense que proceda as suas nomeações, nos cargos para os quais regularmente aprovados, dentro do número de vagas existentes até o encerramento do prazo de validade do concurso. RE 581113/SC, rel. Min. Dias Toffoli, 5.4.2011. (RE-581113) (Informativo 622, 1ª Turma). 
Em 10 de agosto de 2011,  O Supremo Tribunal Federal (STF) negou provimento a um Recurso Extraordinário (RE) 598099 em que o Estado do Mato Grosso do Sul questiona a obrigação da administração pública em nomear candidatos aprovados dentro no número de vagas oferecidas no edital do concurso público. A decisão ocorreu por unanimidade dos votos.  O tema teve repercussão geral reconhecida tendo em vista que a relevância jurídica e econômica da matéria está relacionada ao aumento da despesa pública. No RE se discutia se o candidato aprovado em concurso público possuiria  direito subjetivo à nomeação ou apenas expectativa de direito.
O estado sustentava violação aos artigos 5º, inciso LXIX, e 37, caput e inciso IV, da Constituição Federal, por entender que não há qualquer direito líquido e certo à nomeação dos aprovados, devido a uma equivocada interpretação sistemática constitucional. Alegava que tais normas têm o objetivo de preservar a autonomia da administração pública, “conferindo–lhe margem de discricionariedade para aferir a real necessidade de nomeação de candidatos aprovados em concurso público”.
O relator, ministro Gilmar Mendes, considerou que a administração pública está vinculada ao número de vagas previstas no edital. “Entendo que o dever de boa-fé da administração pública exige o respeito incondicional às regras do edital, inclusive quanto à previsão das vagas no concurso público”, disse o ministro, ao ressaltar que tal fato decorre do “necessário e incondicional respeito à segurança jurídica”. O STF, conforme o relator, tem afirmado em vários casos que o tema da segurança jurídica é “pedra angular do Estado de Direito, sob a forma da proteção à confiança”.
O ministro relator afirmou que, quando a administração torna público um edital de concurso convocando todos os cidadãos a participarem da seleção para o preenchimento de determinadas vagas no serviço público, “ela, impreterivelmente, gera uma expectativa quanto ao seu comportamento segundo as regras previstas nesse edital”. “Aqueles cidadãos que decidem se inscrever e participar do certame público depositam sua confiança no Estado-administrador, que deve atuar de forma responsável quanto às normas do edital e observar o princípio da segurança jurídica como guia de comportamento”, avaliou.
Dessa forma, segundo Mendes, o comportamento da administração no decorrer do concurso público deve ser pautar pela boa-fé, “tanto no sentido objetivo quanto no aspecto subjetivo de respeito à confiança nela depositada por todos os cidadãos”.
De acordo com relator, a administração poderá escolher, dentro do prazo de validade do concurso, o momento no qual se realizará a nomeação, mas não poderá dispor sobre a própria nomeação, “a qual, de acordo com o edital, passa a constituir um direito do concursando aprovado e, dessa forma, um dever imposto ao poder público”.
O ministro Gilmar Mendes salientou que o direito à nomeação surge quando se realizam as condições fáticas e jurídicas. São elas: previsão em edital de número específico de vagas a serem preenchidas pelos candidatos aprovados no concurso; realização do certame conforme as regras do edital; homologação do concurso; e proclamação dos aprovados dentro do número de vagas previstos no edital em ordem de classificação por ato inequívoco e público da autoridade administrativa competente.
Conforme Mendes, a acessibilidade aos cargos públicos “constitui um direito fundamental e expressivo da cidadania”. Ele destacou também que a existência de um direito à nomeação limita a discricionariedade do poder público quanto à realização e gestão dos concursos públicos. “Respeitada a ordem de classificação, a discricionariedade da administração se resume ao momento da nomeação nos limites do prazo de validade do concurso, disse.
Situações excepcionais
No entanto, o ministro Gilmar Mendes entendeu que devem ser levadas em conta "situações excepcionalíssimas" que justifiquem soluções diferenciadas devidamente motivadas de acordo com o interesse público. “Não se pode ignorar que determinadas situações excepcionais podem exigir a recusa da administração de nomear novos servidores, salientou o relator.
Segundo ele, tais situações devem apresentar as seguintes características: Superveniência - eventuais fatos ensejadores de uma situação excepcional devem ser necessariamente posteriores à publicação de edital do certame público; Imprevisibilidade - a situação deve ser determinada por circunstâncias extraordinárias à época da publicação do edital; Gravidade – os acontecimentos extraordinários e imprevisíveis devem ser extremamente graves, implicando onerosidade excessiva, dificuldade ou mesmo impossibilidade de cumprimento efetivo das regras do edital; Crises econômicas de grandes proporções; Guerras; Fenômenos naturais que causem calamidade pública ou comoção interna; Necessidade – a administração somente pode adotar tal medida quando não existirem outros meios menos gravosos para lidar com a situação excepcional e imprevisível.
O relator avaliou a importância de que essa recusa de nomear candidato aprovado dentro do número de vagas seja devidamente motivada “e, dessa forma, seja passível de controle por parte do Poder Judiciário”. Mendes também salientou que as vagas previstas em edital já pressupõem a existência de cargos e a previsão de lei orçamentária, “razão pela qual a simples alegação de indisponibilidade financeira desacompanhada de elementos concretos tampouco retira a obrigação da administração de nomear os candidatos”.
               Para o ministro Marco Aurélio, “o Estado não pode brincar com cidadão. O concurso público não é o responsável pelas mazelas do Brasil, ao contrário, busca-se com o concurso público a lisura, o afastamento do apadrinhamento, do benefício, considerado o engajamento deste ou daquele cidadão e o enfoque igualitário, dando-se as mesmas condições àqueles que se disponham a disputar um cargo”. “Feito o concurso, a administração pública não pode cruzar os braços e tripudiar o cidadão”, completou. 
Todos aqueles que estiverem aprovados em um concurso, dentro do número de vagas e não tiverem sido nomeados, podem acionar o Poder Judiciário requerendo a nomeação com fundamento na jurisprudência exposta. A mudança de posicionamento mostra consonância com os princípios da publicidade, da motivação e da moralidade administrativa, garantindo aos concursandos os preceitos constitucionais da Carta Magna.

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