APROVAÇÃO EM CONCURSO PÚBLICO GERA DIREITO LÍQUIDO
E CERTO A NOMEAÇÃO
Alessandra
Mara de Freitas Silva
Advogada
Associada do Escritório Ananias Junqueira Ferraz (www.ajfadvogados.com.br)
Mestre
em Direito Público
MBA
em Gestão Empresarial – Fundação Getúlio Vargas.
Durante
muitos anos, a jurisprudência reiterada dos Tribunais enunciava que se o
candidato fosse aprovado em um concurso público ele teria apenas expectativa de
direito em ser nomeado. Pode-se dizer que candidato aprovado é aquele
classificado dentro do número de vagas previsto no edital. Assim, se um edital publicasse
a previsão de cem vagas e o candidato fosse aprovado em primeiro lugar, ele
teria apenas expectativa de direito à nomeação.
Isso gerava uma frustração muito
grande nos candidatos. Anos de preparação, investimento de tempo e dinheiro em
cursos preparatórios para conseguir ser aprovado e depois simplesmente a
Administração não nomeava e muitas vezes sem qualquer motivação. Ademais, se a
Administração Pública divulgava que existiam cem vagas para um cargo, ela
demonstrava que havia necessidade das mesmas e esse não cumprimento do previsto
era, no mínimo, contrário aos paradigmas de um Estado Democrático de Direito.
Em algumas determinações, o Supremo Tribunal Federal foi atenuando tal
entendimento expressando que “o anúncio de vagas no edital de concurso gera o
direito subjetivo dos candidatos classificados à passagem da fase subseqüente,
e, ao final, dos aprovados, à nomeação. (RMS 24119).
Em fevereiro de 2008 o Superior Tribunal Justiça (STJ) entendeu
que o candidato aprovado em concurso público dentro do número
de vagas previstas em edital possui direito líquido e certo à nomeação. A
decisão, que mudou o entendimento jurídico sobre o tema, foi da Sexta Turma do
STJ. Por maioria, os ministros decidiram que o instrumento convocatório
(edital), uma vez veiculado, constitui-se em ato discricionário da
Administração Pública, ensejando, em contrapartida, direito subjetivo à
nomeação e à posse para os candidatos aprovados e classificados dentro do
número de vagas previstas no edital.
Para firmar essa posição, os ministros analisaram um recurso em mandado
de segurança do estado de São Paulo. Ainda dentro do prazo de validade do concurso, uma candidata aprovada no processo seletivo para o cargo de
oficial de Justiça da 1ª Circunscrição Judiciária (Comarca de Santos/SP) ingressou
com o referido recurso para assegurar sua nomeação. O edital previa 98 vagas e
ela havia sido aprovada em 65º lugar.
No Superior Tribunal de Justiça, a
decisão mais recente sobre o tema consta do informativo 622 do órgão: Por
reputar haver direito subjetivo à nomeação, a 1ª Turma proveu recurso
extraordinário para conceder a segurança impetrada pelos recorrentes,
determinando ao Tribunal Regional Eleitoral catarinense que proceda as suas
nomeações, nos cargos para os quais regularmente aprovados, dentro do número de
vagas existentes até o encerramento do prazo de validade do concurso.
RE 581113/SC, rel. Min.
Dias Toffoli, 5.4.2011. (RE-581113) (Informativo 622, 1ª
Turma).
Em 10 de agosto de
2011, O Supremo
Tribunal Federal (STF) negou provimento a um Recurso Extraordinário (RE) 598099
em que o Estado do Mato Grosso do Sul questiona a obrigação da administração
pública em nomear candidatos aprovados dentro no número de vagas oferecidas no
edital do concurso público. A decisão ocorreu por unanimidade dos votos. O tema teve repercussão geral reconhecida
tendo em vista que a relevância jurídica e econômica da matéria está
relacionada ao aumento da despesa pública. No RE se discutia se o candidato
aprovado em concurso público possuiria direito subjetivo à nomeação ou apenas
expectativa de direito.
O estado sustentava violação aos artigos 5º, inciso LXIX, e 37, caput e
inciso IV, da Constituição Federal, por entender que não há qualquer direito
líquido e certo à nomeação dos aprovados, devido a uma equivocada interpretação
sistemática constitucional. Alegava que tais normas têm o objetivo de preservar
a autonomia da administração pública, “conferindo–lhe margem de
discricionariedade para aferir a real necessidade de nomeação de candidatos
aprovados em concurso público”.
O relator, ministro Gilmar Mendes, considerou que a administração
pública está vinculada ao número de vagas previstas no edital. “Entendo que o
dever de boa-fé da administração pública exige o respeito incondicional às
regras do edital, inclusive quanto à previsão das vagas no concurso público”,
disse o ministro, ao ressaltar que tal fato decorre do “necessário e
incondicional respeito à segurança jurídica”. O STF, conforme o relator, tem
afirmado em vários casos que o tema da segurança jurídica é “pedra angular do
Estado de Direito, sob a forma da proteção à confiança”.
O ministro relator afirmou que, quando a administração torna público um
edital de concurso convocando todos os cidadãos a participarem da seleção para
o preenchimento de determinadas vagas no serviço público, “ela,
impreterivelmente, gera uma expectativa quanto ao seu comportamento segundo as
regras previstas nesse edital”. “Aqueles cidadãos que decidem se inscrever e
participar do certame público depositam sua confiança no Estado-administrador,
que deve atuar de forma responsável quanto às normas do edital e observar o
princípio da segurança jurídica como guia de comportamento”, avaliou.
Dessa forma, segundo Mendes, o comportamento da administração no
decorrer do concurso público deve ser pautar pela boa-fé, “tanto no sentido
objetivo quanto no aspecto subjetivo de respeito à confiança nela depositada
por todos os cidadãos”.
De acordo com relator, a administração poderá escolher, dentro do prazo
de validade do concurso, o momento no qual se realizará a nomeação, mas não
poderá dispor sobre a própria nomeação, “a qual, de acordo com o edital, passa
a constituir um direito do concursando aprovado e, dessa forma, um dever imposto
ao poder público”.
O ministro Gilmar Mendes salientou que o direito à nomeação surge quando
se realizam as condições fáticas e jurídicas. São elas: previsão em edital de
número específico de vagas a serem preenchidas pelos candidatos aprovados no
concurso; realização do certame conforme as regras do edital; homologação do
concurso; e proclamação dos aprovados dentro do número de vagas previstos no
edital em ordem de classificação por ato inequívoco e público da autoridade administrativa
competente.
Conforme Mendes, a acessibilidade aos cargos públicos “constitui um
direito fundamental e expressivo da cidadania”. Ele destacou também que a
existência de um direito à nomeação limita a discricionariedade do poder
público quanto à realização e gestão dos concursos públicos. “Respeitada a
ordem de classificação, a discricionariedade da administração se resume ao
momento da nomeação nos limites do prazo de validade do concurso, disse.
Situações excepcionais
No entanto, o ministro Gilmar Mendes entendeu que devem ser levadas em
conta "situações excepcionalíssimas" que justifiquem soluções
diferenciadas devidamente motivadas de acordo com o interesse público. “Não se
pode ignorar que determinadas situações excepcionais podem exigir a recusa da
administração de nomear novos servidores, salientou o relator.
Segundo ele, tais situações devem apresentar as seguintes
características: Superveniência - eventuais fatos ensejadores de uma situação
excepcional devem ser necessariamente posteriores à publicação de edital do
certame público; Imprevisibilidade - a situação deve ser determinada por
circunstâncias extraordinárias à época da publicação do edital; Gravidade – os
acontecimentos extraordinários e imprevisíveis devem ser extremamente graves,
implicando onerosidade excessiva, dificuldade ou mesmo impossibilidade de
cumprimento efetivo das regras do edital; Crises econômicas de grandes
proporções; Guerras; Fenômenos naturais que causem calamidade pública ou
comoção interna; Necessidade – a administração somente pode adotar tal medida
quando não existirem outros meios menos gravosos para lidar com a situação
excepcional e imprevisível.
O relator avaliou a importância de que essa recusa de nomear candidato
aprovado dentro do número de vagas seja devidamente motivada “e, dessa forma,
seja passível de controle por parte do Poder Judiciário”. Mendes também
salientou que as vagas previstas em edital já pressupõem a existência de cargos
e a previsão de lei orçamentária, “razão pela qual a simples alegação de
indisponibilidade financeira desacompanhada de elementos concretos tampouco
retira a obrigação da administração de nomear os candidatos”.
Para o ministro Marco Aurélio, “o Estado não pode brincar com cidadão. O concurso público não é o responsável pelas mazelas do Brasil, ao contrário, busca-se com o concurso público a lisura, o afastamento do apadrinhamento, do benefício, considerado o engajamento deste ou daquele cidadão e o enfoque igualitário, dando-se as mesmas condições àqueles que se disponham a disputar um cargo”. “Feito o concurso, a administração pública não pode cruzar os braços e tripudiar o cidadão”, completou.
Para o ministro Marco Aurélio, “o Estado não pode brincar com cidadão. O concurso público não é o responsável pelas mazelas do Brasil, ao contrário, busca-se com o concurso público a lisura, o afastamento do apadrinhamento, do benefício, considerado o engajamento deste ou daquele cidadão e o enfoque igualitário, dando-se as mesmas condições àqueles que se disponham a disputar um cargo”. “Feito o concurso, a administração pública não pode cruzar os braços e tripudiar o cidadão”, completou.
Todos aqueles que
estiverem aprovados em um concurso, dentro do número de vagas e não tiverem
sido nomeados, podem acionar o Poder Judiciário requerendo a nomeação com
fundamento na jurisprudência exposta. A mudança de posicionamento mostra
consonância com os princípios da publicidade, da motivação e da moralidade
administrativa, garantindo aos concursandos os preceitos constitucionais da
Carta Magna.
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